T. Austin-Sparks
“Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança, e partiu, sem saber para onde ia… Pela fé Abraão, quando posto à prova, ofereceu Isaque; estava mesmo para sacrificar o seu unigênito aquele que acolheu alegremente as promessas, a quem se tinha dito: Em Isaque será chamada a tua descendência; porque considerou que Deus era poderoso até para ressuscitá-lo dentre os mortos, de onde também, figuradamente, o recobrou” (Hebreus 11:8, 17-19).
O Sinal da Aliança
Gostaria de falar agora a respeito da fé e o princípio de Deus. Sabemos que, em um determinado ponto do relacionamento de Abraão com Deus e nos tratos de Deus com ele, um sinal da aliança foi estabelecido, na forma de um rito, que foi indelevelmente registrado em sua carne, e que se tornou o sinal da aliança para toda a sua descendência (Gn.17:10-14, 23-27). Esse sinal da aliança ou ritual, se tornou o significado central da vida de Abraão e a base de todos os pensamentos de Deus, no que diz respeito a ele. O apóstolo Paulo deixa bem claro que aqui não era apenas um rito, mas era um princípio – o sentido deste sinal ou rito reuniu nele tudo o que Deus queria dizer. O princípio por si já estava operando na vida de Abraão, antes de ser formulado no ato definido, e continuou a ser aplicado, em princípio, até o fim de sua vida – isto é, desde que Abraão foi introduzido na plataforma de atividades divinas. Isso acontece, além disso, não só através de sua vida, mas através de toda a história de Israel, e depois é absorvido, em seu sentido espiritual, no cristianismo. O significado espiritual e princípio deste rito é sempre a base sobre a qual Deus trabalha.
Pode ser encontrada aqui, logo no início, com a introdução de Abraão em nossa história conhecida: “Pela fé, Abraão, quando foi chamado…” Estêvão disse: “O Deus da glória apareceu a nosso pai Abraão, quando ele estava na Mesopotâmia” (Atos 7:2), e você se lembra os termos do chamado. “Sai da tua terra, da tua parentela, e da casa de teu pai, para a terra que eu te mostrarei” (Gn.12:1). “Pela fé , Abraão, quando chamado, obedeceu“, e ele saiu. O princípio da circuncisão começou a trabalhar nesse ponto. Foi a renúncia básica pela fé, pela qual foi feita uma separação entre a velha vida e relacionamentos e um sistema totalmente novo de separação, um corte, uma separação. De um lado estava o terreno do julgamento – Ur dos Caldeus, e tudo o quanto isso representava, por outro lado, o fundamento da justiça. Este é todo o argumento de Paulo a respeito de Abraão, em sua carta aos Romanos. Até onde estava a intenção de Deus, era pretendido realizar um ato distinto de separação, a partir do terreno de julgamento para o terreno da justiça.
A Separação do País e da Parentela
Nos é dito no livro de Josué que Abraão “serviu a outros deuses” para além do Eufrates (Josué 24:2). Escavações recentes em Ur têm revelado muito sobre os tempos de Abraão, e entre estas descobertas não vieram à luz os nomes de nada menos que cinco mil deuses que eram adorados na época pelo povo de Caldeu em Ur. “Seus pais adoravam outros deuses além do Rio”. “Sai da tua terra”. O significado, então, é: Saia fora de qualquer outro objeto e forma de adoração, qualquer coisa e tudo o que divide o terreno com Deus, fora de tudo aquilo que contesta os direitos de Deus – isto é, de toda o terreno que está sob julgamento.
Foi longa a espera de Abraão, entre os dois mundos, por assim dizer – o mundo do passado e do mundo da promessa – este marchar para cima e para baixo, este viver em tendas – era a maneira de Deus pressionar o princípio da circuncisão ainda mais fundo, no que tange esta questão de um coração dividido, realmente cortar os últimos vínculos, para quebrar os últimos fragmentos de interesse pessoal? Se isso for verdade, a obra é muito profunda, não é mesmo? Tome a questão de paciência. Se há uma coisa que vai matar algo como a ambição mais profundamente do que qualquer outra coisa, é ela ser mantida em espera. Não há nada que discipline mais as nossas motivações do que ser mantido em suspense, para descobrirmos como somos impacientes, e saber quanta paciência ainda precisamos. Abraão teve que ser trazido em unidade com a paciência de Deus. A espada estava penetrando em sua alma em busca de todo esse interesse pessoal.
O princípio da circuncisão é apenas isso – que Deus tem todo o terreno, e não há mais nada lá para disputá-lo com Ele.
Um Ato de Fé
Para dar a Deus esse terreno depende de um ato de fé. “Pela fé, Abraão…” Deus não vai te dar nada que vai minar a fé. Ele vai dizer: “Olhe, eu não vou lhe dizer nada sobre isso”. “Será uma terra que eu te mostrarei”. Abraão “saiu, sem saber para onde ia” (Hb.11:8). Deus não lhe deu uma pintura otimista. Até aquele momento, Deus não havia definido ou descrito a herança. Ele simplesmente disse: “Vou te mostrar: você vai em frente – Eu vou te mostrar. Depois de ter dado um passo, vou lhe mostrar”. Entretanto, era sem saber, sem saber, sem saber – aquele princípio da fé. Sua atitude era: “Eu acredito que, uma vez que Deus me chamou, Deus sabe o que vale a pena quando me chama para fazer tal renúncia, e isso é tudo que eu quero saber.”
Deus não faz esse tipo de coisa para nos levar para uma armadilha, para nos enganar, roubar-nos de qualquer coisa, tirar nada, para diminuir nossas vidas. Deus faz isso, porque Ele é o Deus de propósito que Ele é, cujo objetivo final é plenitude. Isso é tudo que quero saber. Esta é a fé em Deus – fé que acredita que, seja qual for significado que seja o do passo, Deus tem muito mais. “Pela fé, Abraão… obedeceu… saiu, sem saber…”, mas a fé era esta – “Deus me chamou, e eu acredito que Deus nunca chama, sem algum real propósito que o justifique.” Se custa, a compensação deve ser muito maior, tem que ser, porque Deus é o que Ele é.
Eu lhe pergunto: Foram todos os seus deuses da Caldéia deuses como esse? Será que eles realmente cumpriram o prometido? Será que eles realmente te satisfizeram? Em se apegar a alguém, ou àquelas coisas, você encontra contentamento real? Se você é honesto, você terá que dizer “Não”.
Vamos, então, acelerar até o ponto onde se diz: “O Senhor somente! Pela graça de Deus, vai ser apenas o Senhor. Não vai ser um movimento apenas até aqui, e um outro movimento mais longe, e depois parar. Vai ser, pela graça de Deus, todo o caminho – direito até o fim de Deus, sem nenhuma reserva, o Senhor é tudo”. Deixe que Ele torne isso real. Como eu já disse, se Deus diz uma coisa, você pode acreditar que há muito mais por trás disso do que aparece no que Ele diz. Devemos olhar para a Bíblia assim. Se nós encontramos na Bíblia uma afirmação ou uma exigência, uma palavra de comando ou uma exortação, onde Ele apenas diz que uma determinada coisa deverá ser feita, ou qualquer outra coisa não deve ser feita, nós nunca devemos parar por aí. Devemos dizer por quê? Ou, por que não? O que Deus tem em mente quando Ele diz isso? Deus não está apenas falando banalidades, pequenas regras e regulamentos para a nossa vida. Por trás de tudo o que Ele diz, Deus tem o Seu pleno conhecimento da imensidão de tudo. Há uma imensa razão por atrás da menor coisa que Deus diz. Ela é tão grande quanto o próprio Deus. Então, precisamos perguntar: O que está por trás disso? Precisamos perguntar, em um espírito, não de questionamento, mas que buscar entender: Por que eu deveria fazer isso? Por que não devo fazer isso? Há uma grande resposta para esse “Por quê?“ Pode considerar que, se Deus chama, a razão para isso é tão grande quanto Ele mesmo – algo que você nunca vai alcançar.
Extraído do livro “Fé em Alargamento pela Adversidade” (cap.5), de T. Austin-Sparks.