T. Austin-Sparks
“Do solo fez o SENHOR Deus brotar toda sorte de árvores agradáveis à vista e boas para alimento; e também a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal” (Gn 2:9)
“E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2:16,17)
“Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis” (Gn 3:4).
A “Evidência de Deus” é a Vida
Vamos analisar o vamos chamar de algumas das “evidências de Deus”. Digamos imediatamente que a evidência inclusiva de Deus é apenas a vida. A evidência de Deus – a prova, o testemunho de Deus, do que é de Deus – é se há vida. Vamos voltar a esse critério original no simbolismo do começo: a árvore da vida. É perfeitamente claro que a árvore da vida, e o que ela representava e simbolizava, sustentava toda a questão de saber se Deus ia continuar com o homem ou não, se o homem ia continuar com Deus ou não, se o seu relacionamento permaneceria intacto. A “evidência” de Deus foi centrada lá.
Aquela árvore evidentemente representou outra vida diferente da que o homem já possuía. Deus trouxe à vida outros seres. As águas estavam cheias de enxames de criaturas vivas, o ar fervilhava com as aves, a terra estava cheia de criaturas vivas e vegetação viva. Então o homem foi criado, em suas narinas foi soprado o “sopro da vida” (Gn.2:7), e ele tornou-se um ser animado. Ele tinha o que todos nós temos por natureza – esta vida natural. Foi após a transmissão desse tipo de vida, e do homem se tornar uma alma vivente, que Deus apontou para a árvore da vida, e fez dela a questão da vida e da morte. Não era a vida que havia no homem que estava relacionada com a vida e a morte, porque o homem não perdeu esta vida que estava nele quando ele desobedeceu. A árvore representava e simbolizava, evidentemente, outra vida além daquela que Deus já havia soprado nele – uma vida completamente diferente.
Vida Divina Perdida
A morte, portanto, passou a significar duas coisas. Em primeiro lugar, passou a significar uma mudança no homem como ele era. Embora ele continuaria como um ser animado por um mandato de anos, ocorreu uma mudança nele. Não vamos parar para analisar essa mudança, mas por desobediência ele se tornou diferente, mesmo em seu próprio ser natural. Em segundo lugar, ele perdeu o direito a esta outra vida adicional e verdadeira, como representado pela árvore. Ele nunca a herdou, ele nunca a possuiu. Isto lança um pouco de luz sobre as palavras de João sobre o Senhor Jesus, que “a todos quantos o receberam, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus, aos que creem no seu nome” (João 1:12). Você vê toda a questão da fé que vem em relação ao direito. É o direito, em outras palavras, a esta outra, vida Divina, que vem pelo ser nascido de Deus. O direito a esta vida foi perdido por Adão através da desobediência, ou incredulidade. O direito a esta vida é restaurado por meio da fé no Senhor Jesus.
Agora Satanás disse: “assim disse Deus: Morrerás? Tu não morrerá!” Que declaração categórica! Agora note: Adão, além da ruptura conhecida da sua comunhão com Deus através da desobediência por causa da incredulidade, provavelmente não estava consciente do que tinha acontecido. É verdade, uma desaprovação e uma sombra veio da face de Deus; não havia mais a luz e a clareza de comunhão, mas o homem continuou vivendo. Ele não caiu morto e pereceu lá na hora. Ele continuou vivendo um bom tempo, foi crescendo, se desenvolvendo, se ampliando. Quando você vê o enorme alargamento segundo a sua espécie que veio do homem – seus filhos, famílias, tribos, raças – parece que diabo estava certo. “Tu certamente não morrerá”. Deus estava errado, o diabo estava certo.
A Ilusão de uma Vida Falsa
Mas o que aconteceu? Entrou no homem uma profunda e terrível ilusão – a ilusão de uma vida falsa, na qual há no âmago uma mentira. E isso, com certeza, se desenvolveu, e ainda continua se desenvolvendo. Há aumento de dias, e pode ser que haja alargamento até por muitos anos, segundo a sua própria espécie, em matéria deste mundo, mas logo no núcleo de tudo isso há amargura e decepção. Por fim, mesmo alcançando o seu máximo, o vazio, a desilusão. Para que tem sido tudo isso? O que é isso tudo?
E as pessoas mais insatisfeitas são sempre aqueles que têm mais. Isso é verdade, não é? As pessoas que têm mais e não têm o Senhor são as pessoas mais insatisfeitas neste mundo. As evidências disso são patentes. Há dois anos atrás eu estava em uma parte do mundo onde o último capricho e fantasia é saciado ao máximo. Tudo o que a alma do homem poderia almejar ou pedir parece estar disponível. No sul da Califórnia, você vê hectares e hectares e milhas e milhas das mais maravilhosas frutas. Peguei sacos cheios das mais belas toranjas e laranjas que você já viu. Mas meu amigo, dono da fazenda na qual estava hospedado, disse: “Você sabe, a nossa colheita é tão pródiga que, a fim de manter qualquer mercado para as frutas, toneladas e toneladas delas são colocados em uma vala, e ácido é derramado sobre elas, de modo que ninguém as use para fazer negócios.” As pessoas pobres que poderiam ter um ganho deste excedente são privadas dele, a fim de manter algum tipo de mercado.
E é assim, não só em produtos naturais, mas em matéria de prazer. A palavra “Hollywood” passou a conotar a satisfação máxima do desejo humano. Você pode ver tudo o que há de exibição. Mas oh! A agitação, a inquietação, a incerteza, a ansiedade! O maior hospital do mundo está lá em Los Angeles, e quatro mil casos são tratados ali todos os dias, em um país como esse onde cada auxílio possível à saúde está disponível. O que é isso tudo? É a tensão de lidar com a vida. Fui em um belo bairro no subúrbio, eu vi, na medida que passava, casa após casa à venda, ou para alugar, e perguntei ao meu amigo: “Qual é o significado disso?”; “Oh, todo mundo dentro de quilômetros desta cidade está vivendo como se estivessem à beira de um vulcão, considerando este negócio de bomba atômica. Estão todos se deslocando para fora, tão longe quanto podem chegar, porque pensam que em qualquer dia desses uma bomba atômica pode ser jogada em Los Angeles.” Com todo o imaginável para preencher a vida, as pessoas estão vivendo em estresse, tensão e medo. Eu não teria exagerado a imagem, porque não poderia.
Citei isso como uma ilustração da verdade de que quanto mais os homens tem, mais insatisfeitos são. Quanto mais você dá a esta vida, mais vai tomar – e pode tomar – e o quanto mais ela exigir, o mais insatisfeita ela é. Ela se desgasta em pouco tempo. A coisa toda falha em durar – simplesmente não dura, e esta é a vida que o diabo deu no lugar da outra vida. Você e eu podemos ter muito pouco neste mundo – nada comparável ao cenário Californiano – e ainda ter o Senhor Jesus em nossos corações e estar perfeitamente satisfeitos. A diferença é uma coisa muito prática. O diabo disse: “Tu certamente não morrerá”, e o homem engoliu isso: e achou que Deus estava errado, e o Diabo estava certo, e isso levou a uma vida falsa, oca no centro, nunca, nunca respondendo à verdadeira necessidade do homem; um escárnio no final, a fruta parecendo bonita mas caindo das árvores antes de amadurecer.
Mas, em outra vida, representada pela árvore da vida, é tudo no outro sentido. Esta vida não tem nada a ver com coisas: tem a ver com uma Pessoa. Esta vida não se desgasta: ela existe infinitamente – ela sobrevive. Não é, como a outra, que continua através de respiração artificial e estimulantes – e quão artificiais eles são! Esta vida é mantida a partir de uma fonte de vida.
Isso é muito profundo. É muito, muito importante ter certeza de que isto aconteceu com cada novo convertido: de que não há nenhuma ilusão ou engano sobre isso, mas que eles realmente se tornaram, definitivamente, e com certeza, os destinatários desta outra vida – esta vida que não vai exigir uma sucessão constante de estimulantes de fora, mas que, quando todas as coisas exteriores cessarem, ainda vai continuar. Esse vai ser o teste.
Então essa ilusão pode estar na religião, e este é o lugar onde o diabo gosta de tê-la mais do que em qualquer outro lugar. O Senhor tinha algo a dizer sobre esse assunto à igreja de Sardes: “Tu tens um nome” – uma reputação – “de que vives, e estás morto” (Ap.3:1). A reputação de vida – e ainda morto. Os olhos de fogo veem através da falsa situação – a falsa reputação, o nome falso. Não seria difícil imaginar ou retratar o que uma igreja assim seria. Não precisamos permanecer nesse ponto. Há muitas coisas que têm uma aparência de vida, que se parecem com a vida – que as pessoas chamam de vida – mas elas não são vida. Elas exigem que “estimulantes” externos sejam aplicados o tempo todo para manter a coisa andando. O que o Senhor chama de vida é outra coisa.
Continua no próximo post.
Extraído do livro “Fé em Alargamento pela Adversidade” (cap.4), de T. Austin-Sparks.