“A tão grande salvação” é um artigo baseado em meditações no capítulo 2 da Epístola aos Hebreus.
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“Por esta razão, importa que nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos. Se, pois, se tornou firme a palavra falada por meio de anjos, e toda transgressão ou desobediência recebeu justo castigo, como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? A qual, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram; dando Deus testemunho juntamente com eles, por sinais, prodígios e vários milagres e por distribuições do Espírito Santo, segundo a sua vontade” (Hebreus 2:1-4).
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Primeira Advertência – O perigo de negligenciarmos a tão grande salvação
No capítulo 1 da Epístola aos Hebreus vislumbramos uma apresentação impressionante da glória divina de Cristo. Ali vimos o Filho, por meio de quem Deus nos falou nos últimos dias.
Ao chegarmos ao segundo capítulo dessa epístola, veremos detalhes da humanidade e da humilhação de Jesus.
Entretanto, antes do escritor da epístola entrar nesse assunto, ele faz uma pausa para trazer uma nota de advertência.
Ele faz isso lembrando seus leitores que desfrutar de maiores privilégios envolve maior responsabilidade. Também reforça que os perigos passam a ser ainda maiores em caso de negligência. Por isso, ele nos admoesta a atentar ainda mais para o que Deus está falando por meio de Seu Filho.
O texto se inicia com a expressão por esta razão, ligando esse ensino a respeito da divindade e glória do Filho no capítulo 1 com a advertência que vem a seguir. O Deus eterno nos fala em seu Filho; devemos certamente ‘apegar-nos, com mais firmeza’ a tudo que Ele disse.
A palavra usada na expressão ‘apegar-nos com mais firmeza’ é a mesma empregada em Hebreus 6:17: “Deus quis mostrar mais firmemente aos herdeiros da promessa a imutabilidade de seu propósito” [gr. perissoteros].
Isso indica que Deus fala e faz tudo tendo como principal motivação nos mostrar o propósito de Seu coração de forma mais firme, abundante, plena e transbordante. É por essa razão que Ele usa ninguém menos que Seu próprio Filho para fazer isso.
Ele tem em vista nos advertir para que ‘jamais nos desviemos’ dessas preciosas verdades, e não pereçamos de forma mais terrível do que aqueles que pecaram no Antigo Testamento.
O falar de Deus no Antigo Testamento
No Antigo Testamento Deus não falou por meio de Seu Filho, mas por meio dos anjos (At 7:52,53). Ainda que tenha usado anjos, Deus retribuiu devidamente ao povo pela sua desobediência, não os permitindo entrar na terra prometida.
Que será de nós que ouvimos diretamente do Filho? Certamente receberemos justa retribuição se negligenciarmos tão grande salvação.
A tão grande salvação
O termo SALVAÇÃO é encontrado na Bíblia em três tempos: passado, presente e futuro.
Paulo menciona o primeiro aspecto da salvação em sua segunda Epístola à Timóteo:
“Não te envergonhes, portanto, do testemunho de nosso Senhor, nem do seu encarcerado, que sou eu; pelo contrário, participa comigo dos sofrimentos, a favor do evangelho, segundo o poder de Deus, que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2Tm 1:8,9).
Em sua primeira carta aos Coríntios, Paulo fala do segundo aspecto da salvação, se observarmos o tempo verbal no original (grego):
“Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus” (1Co 1:18). O verbo aqui é um presente contínuo, ou seja, indica uma salvação presente, é algo relacionado à palavra da cruz operando em nós.
Na Epístola aos Hebreus temos uma referência do terceiro tempo da salvação:
“Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para serviço a favor dos que hão de herdar a salvação?” (Hb 1:14). Essa salvação futura está atrelada à herança.
Existem outras passagens bíblicas que comprovam isso.
Então, se Deus nos salvou no passado, está nos salvando no presente e vai nos salvar no futuro, o que seria essa salvação? Esses três tempos tem relação com a salvação do espírito, da alma e do corpo.
A salvação do espírito acontece quando nascemos de novo; a salvação da alma acontece durante a nossa peregrinação cristã; e a salvação do corpo acontecerá no arrebatamento ou na ressurreição dentre os mortos.
A salvação do espírito é o que chamamos de JUSTIFICAÇÃO, a salvação da alma compreende o processo de SANTIFICAÇÃO, e a salvação do corpo acontecerá finalmente na sua REDENÇÃO.
Como o espírito do homem estava morto, foi necessário a Deus enviar Seu filho em carne, em figura humana. Então, enquanto homem, Jesus podia falar comigo, expressar o Pai de forma clara, pois sem Ele não teríamos a menor condição de ouvir Deus falar.
Mas é importante compreender que a salvação do espírito, também chamada de novo nascimento, é totalmente gratuita (Rm 6:23), é uma dádiva de Deus, basta fé nas boas-novas da parte daquele que ouve para recebê-la. Então, Deus começa a trabalhar na nossa alma, trazendo a experiência da cruz de Cristo. Antes era minha alma que dominava toda a minha vida, agora ela deve assumir a posição original intencionada por Deus.
Devido a queda, a alma inflou, assumiu uma posição indevida de governo, por isso precisamos aprender a mortificar a nossa alma para permitir que o Espírito passe a assumir o governo absoluto de nossa vida.
Apesar de a minha alma continuar existindo, ela não deve prevalecer no controle. Negando a nós mesmos podemos escolher a cruz (Lc 9:23). Nossa vontade precisa ser conduzida à cruz para que possamos obedecer ao Senhor Jesus. Essa é a nossa salvação presente, que Deus está operando.
A salvação da alma
Como ganho a minha alma? Abrindo mão dela. A primeira parte da minha salvação, a salvação do espírito, é gratuita, mas a segunda parte dessa tão grande salvação, a salvação da minha alma ou a santificação, depende da minha cooperação, preciso me render aos tratos do Senhor. Ele não irá usurpar o controle da minha vida. Ele espera minha reação.
“Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma”. (Tiago 1:21).
O terceiro aspecto da salvação tem seu alvo no futuro, e é chamada de redenção do nosso corpo. Essa vai ser a última fase da nossa salvação, quando receberemos um corpo glorificado, assim como o Senhor Jesus recebeu quando ressuscitou.
Passagens como Lucas 2:35, 21;19, Hebreus 4:12, Mateus 11:28-30, 1 Coríntios 15:45, 2 Pedro 2:8 e Apocalipse 18:13 ficam sem sentido se não fizermos essa distinção entre salvação do espírito e salvação da alma”.
Filhos teknon, filhos huios
Cabe lembrar que esse processo é muito claramente ilustrado pelas duas palavras gregas usadas no Novo Testamento para FILHOS: teknon e huios. Os seus dois usos nos ajudam a compreender esse processo de maturidade no qual somos conduzidos pelo Senhor tão logo nascemos de novo.
Em Romanos 8:14, o apóstolo afirma:
“Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos [huios] de Deus…”.
Será que podemos afirmar que todos os filhos de Deus hoje são GUIADOS pelo Espírito de Deus? Certamente que não.
Mas dentro da mesma exposição, Paulo afirma:
“O próprio Espírito testifica com o nosso espírito que somos filhos [teknon] de Deus” (vs 16).
Essa é a garantia de todos os filhos de Deus, mesmo os mais imaturos: o Espírito Santo testifica em cada um de nós que somos Filhos de Deus.
“A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos [huios] de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção… E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos [huiosthesia], a redenção do nosso corpo.” (Rm 8:19-21,23).
Devemos nos lembrar que o conceito de adoção usado pelo Apóstolo Paulo é diferente do ocidental.
O Conceito Divino de adoção
Quando nos aproximamos das coisas de Deus, descobrimos que algumas de nossas ideias precisam ser revistas, pois nossos conceitos diferem dos conceitos Celestiais. Isso é um fato em relação ao conceito de adoção. Nosso conceito ocidental é que adoção equivale a trazer alguém de fora para o seio de uma família, mas esse não é o conceito de Deus.
“Adoção” [huiothesia] significa literalmente a “colocação de filhos”. Ela ocorre no encerramento de um processo. Essa adoção é posta diante de nós no futuro. Fomos predestinados para a adoção, se tratando de algo que aguardamos.
A adoção é recebida como resultado dos tratos do Senhor conosco a partir do momento que passamos a fazer parte de Sua família.
Somos filhos e estamos sendo trabalhados na família de Deus, com vistas à um desenvolvimento. Somos gerados “crianças”, mas a “filiação” (ou adoção), no sentido usado pela Palavra, é algo mais do que simplesmente nascer em uma família.
O Descortinar da adoção
A palavra ADOÇÃO foi usada de duas maneiras diferentes nas escrituras: em Romanos e em Gálatas. Se observamos essas duas ocorrências receberemos mais luz.
Somos trazidos a um relacionamento de filhos com Deus ao recebermos o Seu Espírito. Entretanto, tanto no texto de Romanos como em Gálatas, temos diante de nós o grave perigo de não atingir o fim proposto por Deus em nosso chamamento, parando em algum ponto da jornada.
Nos dois casos vemos que o inimigo se interpõe ferozmente contra nosso progresso espiritual em direção à adoção. Essa adoção é uma enorme ameaça para o inimigo.
Ele não pode roubar a nossa salvação eterna, a obra que o Senhor nos garantiu pela graça. Não há nada que o inimigo possa fazer sobre isso contra nós, e ele sabe disso. Mas o que ele pode e quer roubar de nós é o nosso crescimento para a maturidade. Ele sabe que somos herdeiros, mas, desde que não possamos receber a nossa herança, para ele está tudo bem. Entretanto, ele sabe que se crescermos como filhos huios, receberemos a herança junto com nosso Irmão mais velho, o Senhor Jesus Cristo, e, nessa posição seremos parte do julgamento dele (o diabo) e seus anjos.
“Ou não sabeis que os santos hão de julgar o mundo? Ora, se o mundo deverá ser julgado por vós, sois, acaso, indignos de julgar as coisas mínimas? Não sabeis que havemos de julgar os próprios anjos? Quanto mais as coisas desta vida!” (1 Co 6:2-3).
Esse é o motivo de a adoção (a huiosthesia) ser tão ameaçadora para o inimigo. Ele fará tudo para que ela não aconteça nos filhos do Senhor.
Nessas duas cartas, o Espírito Santo usa a pena do apóstolo para trazer à luz o sentido pleno da adoção, afirmando que ao receber o Espírito Santo somos tornados filhos [teknon], mas que ainda não atingimos o pleno valor e sentido de nossa Filiação (ou adoção – huiothesia). Devemos prosseguir nesse sentido, perseverar, pois toda a criação aguarda e geme pela consumação dessa “manifestação dos filhos [huios]“. Quando esse dia chegar, toda a criação será liberta do cativeiro.
Lemos que “todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus” (Rm 8:14). Essa é uma posição espiritual condicionada ao desenvolvimento do processo de adoção [huiothesia]. A adoção é um prospecto, a herança está em vista, pois cada um que nasce em uma família é um herdeiro em potencial. Se somos filhos (mesmo que bebês), somos herdeiros, mas ainda não podemos receber nossa herança, porque somos crianças. Podemos até nascer herdeiros, mas ainda somos menores e não poderemos receber a herança enquanto não atingirmos a maioridade.
Isso é a adoção – atingir a maioridade, chegar o pleno crescimento, a perfeita varonilidade.
Devemos nos lembrar que ainda que possamos perder os privilégios que o filho maduro [huios] pode receber, jamais poderemos deixar de ser filhos [teknon] de Deus.
Nos textos de 1 Coríntios 5:5, 1 Pedro 1:9 e Romanos 8:23 lemos o seguinte: ‘… o espírito seja salvo no dia do Senhor Jesus’, ‘a salvação das vossas almas’, e ‘a redenção do vosso corpo’.
A salvação em Hebreus 2
O texto de Hebreus 2 remete ao segundo aspecto – a salvação da alma. Por que temos certeza disso? Porque está escrito em Hebreus 1:14 “… a favor dos que hão de herdar a salvação”.
Será que o escritor de Hebreus se dirigia às pessoas que não eram cristãs, que não tinham nascido de novo? Não! Ele falava para irmãos regenerados pelo sangue de Cristo. Por isso ele os considerou como aqueles que iriam “herdar a salvação”.
O tempo verbal no grego indica que a salvação aqui referida está em perspectiva, ou seja, é uma expectativa, não se trata de algo que eles já possuíam.
Esta salvação está bem caracterizada na figura do filho teknon expressa em Romanos 8:17, que é “herdeiro de Deus e co-herdeiro com Cristo”, mas aguarda a sua huiothesia (adoção – Rm 8:23), para poder tomar posse de sua herança como filho huios (Rm 8:19).
“Digo, pois, que, durante o tempo em que o herdeiro é menor, em nada difere de escravo, posto que é ele senhor de tudo. Mas está sob tutores e curadores até ao tempo predeterminado pelo pai. Assim, também nós, quando éramos menores, estávamos servilmente sujeitos aos rudimentos do mundo; vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos. E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai! De sorte que já não és escravo, porém filho; e, sendo filho, também herdeiro por Deus” (Gl 4:1-7).
“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, mediante a ressurreição de Jesus Cristo dentre os mortos, para uma herança incorruptível, sem mácula, imarcescível, reservada nos céus para vós outros que sois guardados pelo poder de Deus, mediante a fé, para a salvação preparada para revelar-se no último tempo. Nisso exultais, embora, no presente, por breve tempo, se necessário, sejais contristados por várias provações, para que, uma vez confirmado o valor da vossa fé, muito mais preciosa do que o ouro perecível, mesmo apurado por fogo, redunde em louvor, glória e honra na revelação de Jesus Cristo; a quem, não havendo visto, amais; no qual, não vendo agora, mas crendo, exultais com alegria indizível e cheia de glória, obtendo o fim da vossa fé: a salvação da vossa alma” (1 Pe 1:3-9).
Não podemos tomar parte da verdade e considerá-la como o todo.
A palavra é poderosa para salvar nossa alma
“Portanto, despojando-vos de toda impureza e acúmulo de maldade, acolhei, com mansidão, a palavra em vós implantada, a qual é poderosa para salvar a vossa alma” (Tg 1:21).
Cabe a nós nos despojarmos das impurezas e acolher com mansidão a Palavra. Nossa participação nesse processo de crescermos para a maturidade se resume em submissão à vontade de Deus. Não se trata de realizar obras. Devemos nos submeter à Palavra que nos conduzirá ao conhecimento da nossa natureza por um lado, e por outro, veremos progressivamente a grandiosidade de Cristo. Olhando a Cristo como por espelho, seremos transformados de glória em glória. Deus irá fazer, mas para isso Ele demanda nossa cooperação, e como esse processo é dolorido, podemos criar obstáculos, atrapalhar seu desenvolvimento, mas nunca devemos nos esquecer que TUDO É PELA GRAÇA.
Leia mais sobre a epístola aos Hebreus aqui.
Referências:
Andrew Murray
O santo dos santos: Uma exposição da Epístola aos Hebreus
Editora Doze Cestos
Délcio Meireles
Tiago: Provação, maturidade e reino
Editora Ruiós
T. Austin-Sparks
God’s Spiritual House
(O conceito Divino de Adoção, o Descortinar da Adoção).