A.B. Simpson (1843-1919)
“Disse Samuel: Traze-me aqui Agague, rei dos amalequitas. Agague veio a ele, confiante; e disse: Certamente, já se foi a amargura da morte. Disse, porém, Samuel: Assim como a tua espada desfilhou mulheres, assim desfilhada ficará tua mãe entre as mulheres. E Samuel despedaçou a Agague perante o SENHOR, em Gilgal” (1 Samuel 15:32-33).
Já nos referimos ao texto de 1 Samuel 15 como uma ilustração do caráter de Saul (leia aqui). Mas podemos ver outras sutilezas da vida do ego na figura de Agague. Tanto a vida de Saul como a de Agague nos trazem à mesma lição – e oferecem a mesma advertência – o perigo de uma vida centrada no ego. Entretanto, eles representam isso de forma diferente, e a história de Aguage é digna de ser tomada em consideração com orações e temor.
A Raça de Agague
Agague pertencia à raça de Amaleque e à família de Esaú, que representam, ao longo de toda a sua genealogia, a vida da carne. Desde o início da raça humana, Deus estabeleceu uma linha, demarcando as duas raças – os homens carnais e os homens espirituais. A partir de fora do portão do Éden, a divisão começou. A família de Sete se chamava pelo nome do Senhor, enquanto a raça de Caim saiu e construiu a sua cidade de cultura e orgulho, se tornado os pioneiros no mundanismo e na maldade.
A separação, entretanto, logo começou a desaparecer, e nos dias de Noé, as duas raças haviam se misturado e casado entre si. O resultado foi uma descendência tão degenerada e depravada, que Deus se afastou com repugnância de toda a raça, pronunciando uma terrível sentença:
“Farei desaparecer da face da terra o homem que criei” (Gênesis 6:7).
Depois do dilúvio, Deus escolheu uma família separada, a linha de Abraão, e, mais uma vez, procurou manter separado o Seu povo escolhido. Entretanto, naquela árvore genealógica, ramificações começaram a se separar do tronco central e sair pelo mundo. O primeiro que fez isso foi Ismael, um tipo do espírito de escravidão e pecado. O próximo desses foi Esaú, o progenitor de toda uma raça que herdou o espírito mundano do seu pai – o filho de Isaque que vendeu seu direito de primogenitura por um prato de lentilhas e depois se casou com as filhas de Canaã, se tornando tão corrupto e poluído como elas. Na mesma linha temos os descendentes de Ló, gerados de forma não natural com suas filhas, os Moabitas e os Amonitas.
Acima de tudo isso, a raça de Esaú, e subsequentemente dos Amalequitas, representava o espírito da carne e do mundo. Essa foi a razão pela qual Deus disse a Israel que eles deviam ser destruídos. Descobrimos que, quando os Israelitas deixaram o Egito e começaram sua jornada para a Terra da Promessa, Amaleque foi o primeiro a atacá-los. Não é difícil ver nisso a prefiguração do fato de que o primeiro adversário que temos que encarar, quando deixamos nosso passado pecaminoso, é a natureza carnal em nossos próprios corações. Essa natureza logo reivindica seu lugar e tenta nos forçar a volta para nossa vida anterior. É isso que Agague representa, e é isso que cada um de nós encontrou, de forma real, na experiência de nossa vida Cristã.
Governante
O nome Agague é muito significativo. Ele significa governante e representa o espírito da vontade própria, da autoafirmação e da dependência de si mesmo. O seu protótipo é Lúcifer, o príncipe da luz e da glória, que, se levantando com orgulho e se recusando a ser controlado, se transformou de um anjo para um demônio, e se tornou o líder desesperado dos exércitos rebeldes do inferno.
Vemos isso também na Queda do homem: “como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal” (Gênesis 3:5) – o desejo de supremacia. Vemos Agague no espírito da ambição humana, no déspota, no conquistador mundial, na alta sociedade e na política. Tudo pertence a mesma família – a raça de Amaleque e a casa de Agague. O seu clamor é como o do filho pródigo “dá-me a parte dos bens que me cabe” (Lucas 15:12) e me deixe livre do controle de meu pai para fazer o que quiser.
Esse espírito é encontrado em todo coração humano. Pode ser disfarçado em muitas formas traiçoeiras, pode se chamar por nomes célebres e imitar as mais altas ambições e as mais nobres pretensões, mas, no fundo, vemos Agague e Satanás o tempo todo. Aquilo que você deseja, o governo e as coisas que deseja da sua própria maneira, é errado em sua própria constituição. A primeira coisa que precisamos para termos qualquer utilidade, em qualquer lugar, é sermos totalmente quebrados, completamente sujeitos e totalmente crucificados no coração e no centro da nossa vontade. A partir daí, aceitaremos a disciplina e aprenderemos a nos entregar e a obedecer, para que Deus possa nos usar como instrumentos flexíveis e perfeitamente ajustados à Ele. Dali em diante, somente faremos o que Deus deseja e escolheremos apenas o que Deus escolher.
Esse é o verdadeiro campo de batalha da salvação humana. É o ponto decisivo para cada alma. Essa é a questão de teste para cada vida redimida. Esse foi o ponto onde Saul perdeu seu reino, Agague perdeu sua vida, os destinos eternos foram perdidos ou ganhos e onde aprendemos a lição ou nos recusamos a ser conduzidos em triunfo por nosso Senhor conquistador.
Não vamos perder a advertência. Vamos nos lembrar, para sempre, que nenhum homem pode governar outros, até que ele seja absolutamente conduzido por Deus, que nenhum homem pode conquistar os inimigos, se ele mesmo não for conquistado primeiro, e que nenhum homem pode liderar em triunfo os exércitos ou os corações dos homens, se ele mesmo não for conduzido em triunfo como um cativo voluntário do amor do Salvador e da vontade do Mestre.
Tradução do capítulo 6 – “The Subtleties of the Self-Life” (As Sutilezas da Vida do Ego), do livro “Christ in you” (Cristo em vós), de A. B. Simpson.