Os testes de Saul e a Vida do Ego é uma tradução do capítulo 5 – “The Self Life (A Vida do Ego), do livro “Christ in you” (Cristo em vós), de A.B. Simpson. Você pode ler aqui as parte 1 – O Reino Falsificado de Satanás e parte 2 – A Escolha do Coração Humano.
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A. B. Simpson (1843-1919)
“Esperou Saul sete dias, segundo o prazo determinado por Samuel; não vindo, porém, Samuel a Gilgal, o povo se foi espalhando dali. Então, disse Saul: Trazei-me aqui o holocausto e ofertas pacíficas. E ofereceu o holocausto” (1 Sm 13:8,9).
O Primeiro Teste de Saul
O primeiro dos testes de Saul veio num momento de severa prova. Quando cercado por seus inimigos e quando quase todos os seus soldados haviam desertado, ele pareceu estar encarando a destruição. Ele havia recebido a ordem de Samuel para esperar até que este viesse para oferecer a oferta queimada antes de ir para o campo de batalha. Sete dias haviam se passado e Samuel ainda não tinha chegado. Saul viu seus homens se espalhando e ficando ansiosos. Ele decidiu fazer a oferta queimada por si mesmo. Mas, quando estava acabando, Samuel apareceu.
Samuel perguntou: “Que fizeste?” Respondeu Saul: “Vendo que o povo se ia espalhando daqui, e que tu não vinhas nos dias aprazados, e que os filisteus já se tinham ajuntado em Micmás… forçado pelas circunstâncias, ofereci holocaustos”. Então disse Samuel: “Procedeste nesciamente em não guardar o mandamento que o SENHOR, teu Deus, te ordenou; pois teria, agora, o SENHOR confirmado o teu reino sobre Israel para sempre. Já agora não subsistirá o teu reino. O SENHOR buscou para si um homem que lhe agrada e já lhe ordenou que seja príncipe sobre o seu povo, porquanto não guardaste o que o SENHOR te ordenou” (1 Samuel 13:11-14).
Usurpando o trono de Deus
Muitos de nós vivem vidas de sucesso quando tudo está correndo bem. Entretanto, na hora da prova, como aconteceu com os testes de Saul, o ego sempre se manifesta. Saul era um rei esplêndido até aquela primeira prova, quando então se tornou desencorajado, desconfiado, presunçoso, reivindicando sua própria autoridade, ousando tomar em suas próprias mãos as coisas que pertenciam apenas a Deus. Ele usurpou o trono de Deus, mostrando sua própria natureza. Ele era um homem de acordo com seu próprio coração e não de acordo com o coração de Deus. Por causa disso, Deus escolheu outro homem para conduzir Israel.
Por causa das ações de Saul, Deus mostrou que não precisava da força e sabedoria de Saul – Ele usou Jonatas, seu escudeiro e uma espada para derrotar os Filisteus, mostrando quão suficiente Deus é para com aqueles que Nele confiam. Mas Saul quase pôs tudo a perder e por pouco destruiu a vitória trazida por Deus por causa da sua intempestiva interferência (1 Samuel 13:23 – 14:45). Depois disso, se tornou aparente que Saul não era confiável para executar a obra de Deus, e que sua vontade própria persistente iria sempre ser um obstáculo à vontade de Deus.
A crise de Saul não veio imediatamente. Deus deixou que o ego se desenvolvesse. Nesse momento, ficou evidente que a vida de Saul iria sucumbir e que a profecia de Samuel era completamente verdadeira.
O Segundo Teste de Saul
Deus deu a Saul outra oportunidade e um segundo teste, quando vemos mais uma vez a manifestação de sua vida do ego. Ele o enviou à uma importante expedição para destruir Amaleque, a raça de Esaú que tentou embaraçar Israel em sua passagem pelo deserto.
Existe um profundo sentido espiritual por trás dessa história: Amaleque é um tipo da carne e é uma ilustração do princípio representado pela vida de Saul. A falha de Saul em destruir Amaleque mostra quão profundamente enraizado estava o governo do ego na sua própria vida. O homem que poupou Agague foi aquele que preservou o princípio do ego em seu próprio coração. As duas figuras se misturam, representando algo de grande significado para nós.
Saul conseguiu realizar a invasão com sucesso e retornou presunçosamente vitorioso. Ao ver Samuel, ele disse: “Bendito sejas tu do SENHOR; executei as palavras do SENHOR” (1 Samuel 15:13). Mas as palavras de condenação do profeta foram sua resposta:
“Que balido, pois, de ovelhas é este nos meus ouvidos e o mugido de bois que ouço?… Por que, pois, não atentaste à voz do SENHOR, mas te lançaste ao despojo e fizeste o que era mau aos olhos do SENHOR?” (1 Samuel 15: 14, 19)
Saul insistiu que havia obedecido ao Senhor, dizendo que havia salvado o melhor para oferecer como sacrifícios a Deus. Mas Samuel respondeu:
“Tem, porventura, o SENHOR tanto prazer em holocaustos e sacrifícios quanto em que se obedeça à sua palavra? Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, melhor do que a gordura de carneiros. Porque a rebelião é como o pecado de feitiçaria, e a obstinação é como a idolatria e culto a ídolos do lar. Visto que rejeitaste a palavra do SENHOR, ele também te rejeitou a ti, para que não sejas rei.” (1 Samuel 15:22,23)
A Vida do Ego
Não sabemos com certeza se depois disso Saul percebeu plenamente a natureza do seu pecado. Tão enganoso e sutil é o ego. Tudo o que Saul pareceu sentir foi o medo de ser humilhado diante do seu povo. Ele implorou pela insignificante ninharia do reconhecimento público e honra de Samuel, e essa porção de vanglória era o consolo e o conforto do seu espírito, quando a sentença de morte e ruína havia sido anunciada aos seus ouvidos.
Uma palavra, acima de todas, parece caracterizar a transigência louca de Saul. Ele obedeceu apenas parcialmente. Ele fazia muitas coisas boas, mas as comprometia com coisas más. Os mandamentos de Deus são intransigentes, inexoráveis e absolutos, e nossa obediência deve ser inflexível, absoluta e completa. A menor reserva é realmente o espírito da desobediência. A falha em ouvir o pleno sentido de Deus indica um espírito de falta de obediência.
Saul representa a encarnação da vontade própria, ou seja, o inimigo de Deus, ou poderíamos dizer o rival de Deus no Seu trono.
A Gangrena do Eu
O pronunciamento de Samuel contra Saul não aconteceu imediatamente. Deus permitiu que ele permanecesse no trono. Mas era o reino de Saul, não de Deus. Saul realizou muitas coisas depois disso; lutou inúmeras batalhas e estabeleceu Israel como um reino poderoso.
Todos os seus anos restantes foram de atividades e vindicação do ego. Por nove desses anos, ele perseguiu seu rival, Davi, com ódio feroz. O Espírito de Deus o deixou e um espírito maligno o possuía. À medida que os anos se passavam, o início e o fim de sua existência foi do ego em todas as suas miseráveis obras e frutos.
Comido pela gangrena do ego, seu coração se tornou um lugar para moradia de Satanás. No último ato desesperado de sua vida, Saul buscou uma médium para dizer-lhe o resultado da próxima batalha com os Filisteus. O Senhor o rejeitou, Samuel estava morto e não tinha ninguém mais a quem recorrer. Esse foi o seu último passo fatal. O ego tirou Deus do trono do seu coração, e o próximo capítulo da vida do ego era autodestruição.
A Completa Revelação do Egoísmo Humano
Dali, Saul correu em seu desespero para a última batalha da sua vida. No dia seguinte, a tragédia foi completa – a flor da idade de Israel estava sobre as encostas de Gilboa. O exercito de Saul foi aniquilado, os Filisteus foram vitoriosos por todos os lados, e o reino, que Saul havia construído por um quarto de século para si mesmo, foi quebrado em pedaços e espalhado pelos ventos. Até mesmo os filhos de Saul foram mortos, e no final, o próprio Saul se matou.
O escorpião do ego mordeu os outros, e agora, finalmente, mordeu a si mesmo. A revelação do egoísmo humano estava completa. Podemos então nos posicionar em admiração e orar humilde e fervorosamente:
Oh, ser salvo de mim mesmo, amado Senhor,
Oh, me perder em Ti!
Oh, que não seja mais eu
Mas que Cristo viva em mim.
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Albert Benjamin Simpson (1843-1919) foi um pastor e escritor canadense. Simpson cresceu em meio à rígida tradição puritana e recebeu seu treinamento teológico em Toronto. Logo que concluiu seus estudos, Simson foi ordenado pastor de uma das maiores congregações presbiterianas do Canadá. Aos 30 anos, deixou o Canadá e assumiu o púlpito da maior igreja presbiteriana de Lousiville, no Kentucky/USA. Ali, pela primeira vez, ele concebeu a pregação do evangelho para o homem comum, e seu encargo pelo evangelismo começou a despertar. Por outro lado, ele também sentiu que, apesar do êxito em seu ministério, algo ainda lhe faltava em sua vida espiritual. Lutava com problemas de amor próprio, egoísmo e auto-confiança. Ansiava por vencer esses pecados em sua vida. Durante uma campanha com Major Whittle, do Exército da Salvação, ele viu e ouviu pregações com poder e manifestação da presença de Cristo que ele não havia experimentado antes. Ele sentiu um enorme vazio que preparou o caminho para sua experiência mais marcante: da suficiência de Cristo.
Em 1880 foi chamado pela Igreja presbiteriana da Thirteenth Street, em Nova Iorque, que era uma igreja rica e prestigiada. Ali ele começou a sentir um encargo forte pelos pobres que estavam ao seu redor. Um dos incidentes que o levou a deixar a igreja foi quando ele tentou batizar 100 novos convertidos dentre a comunidade de imigrantes italianos, mas a igreja não aprovou a sua decisão. A carência de um encargo por um ministério evangelístico, principalmente entre os não favorecidos, o pressionou nessa decisão. Sofrendo enfermidades desde sua infância, Simpson ainda sofria de diversos problemas de saúde, o que por vezes o impedia até mesmo de concluir uma pregação. Então, Simpson experimentou a cura divina, tornando essa experiência parte integrante de sua ministração.
Em 1881 ele começou um novo ministério evangelístico em um auditório simples em Nova Iorque. Seu primeiro sermão contou com a presença de sete pessoas. Aos poucos, seu ministério começou a ser reconhecido, ao ponto de realizar três cultos aos domingos e dois diariamente, ao longo da semana. Seu trabalho missionário cresceu, e com o tempo, estabeleceu um lar para pobres, alcoólatras, abrigo para mães solteiras e um orfanato, além de enviar missionários para diversas regiões do mundo. Simpson morreu em 1919, aos 76 anos, após passar uma noite em oração pelos missionários.
Simpson foi um escritor prolífico, tendo uma extensa obra literária de aproximadamente 101 livros, além de poemas, hinos, artigos e livretos. Até nossos dias, ainda nos inspira e fortalece no sentido de buscar uma vida profunda e frutífera no Senhor. Para os que desejam conhecer mais de sua obra, os títulos “Jesus Cristo, Ele mesmo!”, “As quatro dimensões do Evangelho” são publicados pela Editora Betânia na língua portuguesa.
“Durante muito tempo orei a Deus pedindo a santificação, e muitas vezes achei que a havia recebido. Houve até uma ocasião em que senti algo diferente, e me agarrei àquela experiência, receoso de a perder. Fiquei acordado a noite toda, temendo que ela me escapasse, e é claro que, assim que a emoção e a sensação momentânea se esvaíram, ela desvaneceu também. Perdi-a, porque não me firmara em Jesus. Estivera bebendo pequenos goles de um imenso reservatório, quando poderia estar imerso na plenitude de Cristo… Então, resolvi despreocupar-me da santificação e da bênção em si, e passei a contemplar o próprio Cristo. Assim, em vez de ter uma experiência, entendi que, tendo Cristo, tinha Aquele que era maior do que uma necessidade momentânea, tinha o Cristo, que era tudo de que necessitava. Então O recebi, de uma vez para sempre” (A. B. Simpson, “Jesus Cristo, Ele mesmo!”).