Notas sobre o Livro de Números
“Disse o SENHOR a Moisés: Fala aos filhos de Israel e dize-lhes: Quando alguém, seja homem seja mulher, fizer voto especial, o voto de nazireu, a fim de consagrar-se para o SENHOR” (Nm 6:1,2)
Até aqui vimos em Números 1 a 4 as ordenações divinas de Deus relacionadas ao Seu acampamento e o serviço levítico. No Capítulo 5 vimos a necessidade de purificação do arraial onde Deus habita – por isso Seu povo precisaria passar por uma disciplina para treinar seu discernimento espiritual, trazendo à luz o que é limpo, e expondo o que é corrupto. Sob essa disciplina o qeu foi fruto da obra de Deus é manifestado e a Pessoa de Cristo se torna conhecida e valorizada nas profundezas da alma. Vemos esse retrato na mulher frutífera descrita no Capítulo 5:28).
No capítulo 6 vemos o “Voto Especial de Nazireu”. Essa instituição do Nazireado encontra o seu lugar apropriado no livro de Números. Está em perfeita harmonia com o caráter do livro, o que, como já foi acentuado, contém tudo que pertence à vida do deserto. O Nazireu é o fruto da fidelidade nas afeições, porque é uma consagração a Deus realizada de forma extra-oficial – não é resultado da obediência de algum mandamento – mas é o resultado do movimento interior do coração de “um homem ou uma mulher” (vs.2). O “Voto Especial do Nazireu” traz à nossa mente a idéia de indivíduos, ou um remanescente, não importando o estado geral do povo. Eles representam a oportunidade aberta à qualquer um que deseja se consagrar (ou se separar) para Jeová de forma especial. Vemos esse exemplo no Novo Testamento ilustrado pelos cristãos da Macedônia que “não somente fizeram como nós esperávamos, mas também deram-se a si mesmos primeiro ao Senhor, depois a nós, pela vontade de Deus” (2 Co 5:8).
Deus ama perceber aquilo que é espontâneo da parte de Seus santos, e fez uma provisão em Sua economia tanto para o especial como para o comum. Esse voto representava uma separação distintiva para Deus, era um movimento nascido do coração, como vemos no exemplo de Ana:
“E fez um voto, dizendo: SENHOR dos Exércitos, se benignamente atentares para a aflição da tua serva, e de mim te lembrares, e da tua serva te não esqueceres, e lhe deres um filho varão, ao SENHOR o darei por todos os dias da sua vida, e sobre a sua cabeça não passará navalha” (1 Sm 1:11)
Será que temos um movimento especial em nosso coração? Ou estamos contentes em nos conformar com os padrÕes de vida Cristã adotados por muitos?
O voto especial do Nazireu requeria um grau particular de separação, demandava uma medida “especial” de devoção e era uma oportunidade concedida a qualqpara cada um dos Israelitas, independente de tribo. Entretanto, o número de Nazireus em Israel nunca foi muito grande.
Nesse capítulo de Números 6 temos, de forma tipológica, uma definitiva instrução de como essa devoção especial deveria acontecer.
O Voto do Nazireu
Em primeiro lugar o Nazireu não devia beber vinho. O fruto da videira, sob qualquer forma que fosse, estava-lhe proibido. Ora o vinho, como sabemos, é o símbolo natural da alegria terrestre – a expressão daquele gozo social a que o coração humano é inteiramente capaz de se entregar. O nazireu deveria abster-se cuidadosamente dele. Para ele aquilo era uma ordenação.
Vamos analisar qual é a natureza da lição relativa à abstinência do nazireu de tudo que pertencia à videira, desde os caroços até as cascas. Antes devemos lembrar que neste mundo não houve senão um verdadeiro e perfeito Nazireu – mas apenas um que manteve, desde o princípio ao fim, a mais completa separação de todo o gozo meramente terrestre. Desde que entrou no Seu ministério público, Ele manteve-Se à parte de tudo que era deste mundo. Seu coração estava posto em Deus e Sua obra com uma dedicação que nada podia alterar. Ele tinha uma obra a fazer, e para isso se separava perfeitamente (Lc.2:49; Jo.2:4; Lc.27:17-18).
Não havia mal, em regra geral, no vinho nem nada de mal na videira. Mas o ponto é este, se alguém aspirava ser Nazireu, se aquela pessoa ambicionava essa santa separação para o Senhor, tinha de se abster completamente do uso do vinho e de bebidas fortes. Os nazireus vêem as coisas do ponto de vista divino e celestial, e por isso não podem deixar passar coisa alguma que possa interferir, de qualquer modo, com esse tom elevado de consagração a Deus que as suas almas fervorosamente anseiam.
Havia outra coisa que caracterizava o nazireu. Não devia tosquiar sua cabeça (vs.5). Em 1 Coríntios 11:14, aprendemos que uma cabeleira crescida é considerada como falta de dignidade para o homem. Isso evidencia que, se queremos realmente viver uma vida de separação para Deus, temos que estar dispostos a abandonar e renunciar à nossa dignidade na natureza. Foi isto que o Senhor Jesus Cristo fez de um modo perfeito. Humilhou-se a Si mesmo, renunciando aos Seus direitos em tudo. Podia dizer “mas eu sou verme e não homem” (Sl.22:6). Despojou-Se inteiramente de tudo e tomou o lugar mais humilde. Esqueceu-Se de Si enquanto cuidava dos outros. Em suma, o Seu Nazireado foi perfeito nisto como em tudo mais. E isto é precisamente o que nós gostamos muito pouco de fazer. Defendemos naturalmente a nossa dignidade e procuramos manter os nossos direitos.
Resta-nos considerar uma outra característica do Nazireu. Não devia tocar um corpo morto (vs.6,7).
Uma vez que o nazireado do Seu Deus estava sobre a cabeça da pessoa, esse importante fato tornava-se a regra e pedra de toque de toda a moralidade. O indivíduo era, desse modo, colocado sobre um terreno inteiramente novo e especial e impunha-lhe o dever de ver todas as coisas de um ponto de vista novo e também especial. Já não devia perguntar o que lhe interessava como homem, mas sim o que lhe interessava como nazireu.
Ora, é necessário que compreedamos que o assunto do nazireado não ter a ver com a vida eterna. Vemos na pessoa do Nazireu um símbolo de alguém que entra numa situação especial de dedicação e consagração a Cristo. O poder de prosseguir neste caminho consiste em uma secreta comunhão com Deus; de forma que se a comunhão é interrompida o poder desaparece.
Cumprindo-se os Dias do Nazireado
“Esta é a lei do nazireu: no dia em que se cumprirem os dias do seu nazireado, será trazido à porta da tenda da congregação” (Nm 6:13)
A partir desse versículo vemos a mudança na tônica da separação. Vemos o sacerdote em evidência, como personagem proeminente. Ele toma em suas mãos a oferta, que representa Cristo, e move perante o Senhor. Nesse momento, a idéia de separação não tem mais lugar, o que tira a necessidade do exercício do Nazireu.
“Depois disto, o nazireu pode beber vinho” (Nm 6:20)
Para compreender bem esse tipo, devemos reconhecer que ele bebe o vinho “depois”. Poderíamos dizer que esse é outro vinho do qual ele abdicou antes. Se analisarmos esses textos em consonância com Mt 26:29 / Mc 14:
“E digo-vos que, desta hora em diante, não beberei deste fruto da videira, até aquele dia em que o hei de beber, novo, convosco no reino de meu Pai” (Mt 26:29 – leia também Mc 14:25 e Lc 22:18).
Essas são palavras do próprio Senhor Jesus, se referindo ao Seu próprio Nazireado. O Reino de Seu Pai – o Reino de Deus – vai trazer uma alegria que nunca aconteceu antes. É o Noivo que terá a habilidade de dar “o bom vinho” abundantemente (Jo 2:10). Os homens, naquela ocasião, recusaram o bom vinho. Hoje, Ele é Nazireu, separado de toda a alegria terrena até que aquela alegria assuma um caráter totalmente novo no reino de Deus. Os homens na terra poderão se alegrar com a sua porção relacionada a Deus – se deleitarão no seu amor e favor.
Entretanto, para nós, o “vinho novo” desse reino já entrou em cena; e não está relacionado às coisas terrenas, mas com o brilho do amor e favor de Deus na face de Cristo. Dois versos do Salmo 4 declaram dessa abundante porção:
“Há muitos que dizem: Quem nos dará a conhecer o bem? [a resposta da fé] SENHOR, levanta sobre nós a luz do teu rosto. [O Resultado da experiência] Mais alegria me puseste no coração do que a alegria deles, quando lhes há fartura de cereal e de vinho” (Sl 4:6,7).
Os homens separados, distinguidos por Jeová podem falar do que é deles (Sl 4:3).
Tipologicamente falando, alguns se lançam para desfrutar o melhor desse mundo como se o Reino não estivesse aqui. O “Nazireu”, entretanto, busca o seu novo vinho de outra fonte – mais excelente que a natural. Se desfrutarmos do “vinho terreno” não vamos desfrutar do novo vinho do Reino do Pai. O Nazireado em relação a um é essencial para o desfrute do outro.
O Nazireado e a Bênção Sacerdotal
Isso tudo que vimos até aqui pode ser relacionado à conexão entre o Nazireado sendo cumprido e a bênção do sacerdote no final do capítulo de Números 6. Vemos o resultado da separação para Deus representado pelo todo das ofertas que o Nazireu traz à porta da tenda da congregação. Também vimos que o sacerdote – representando o que é espiritual – ganha de forma bem específica. Logo segue a bênção sacerdotal, que traz à luz o que está no coração de Deus para Seu povo de forma muito bela. A bênção é para “os filhos de Israel”, ou seja, é extensiva à todo o povo, mas é vista imediatamente em conexão com a Lei do Nazireado. Isso indica a linha pela qual a bênção vem a todo o povo, no governo de Deus. Se um pequeno remanescente é marcado pela separação à Deus, essas pessoas dão a Ele uma oportunidade de trazer à luz o Seu propósito para toda a assembléia. É o mesmo princípio que vemos na Igreja de Filadélfia (Ap 3:7), toda a assembléia é abençoada por meio de poucos indivíduos fiéis. Verdadeiramente, não podemos dizer o que pode resultar do verdadeiro Nazireado e de um coração devotado a Deus.
“A separação ministra às coisas sacerdotais, e o que é sacerdotal ministra bênção para toda a assembléia”. A sequência moral neste capítulo devemos manter em mente. Tudo o que pode fazer o homem verdadeiramente feliz flui do coração de Deus, e está de acordo com os Seus grandiosos propósitos.
Como Ele é o Sustentador, Ele é o Abençoador; Ele sempre manteria nossas almas em profundo senso de que precisamos do Seu sustento. Quando o Filho falou como Pai sobre os Seus, Ele usou o verbo “guardar” três vezes. Em um cenário maligno, tendo fraquezas em nós mesmos, como é grande a necessidade de ser “guardado”! A fidelidade Divina é o nosso único apoio e força.
“O Senhor faça resplandecer” (vs 25). Na face revelada de Deus, o Mediador, está a refulgente glória da Sua graça, e seus pensamentos imutáveis e disposição em direção a nós é radiante.
“O Senhor sobre ti levante o rosto…” (vs 25b). Isso transmite o sento de Sua aprovação e complacência, de forma que profunda paz é “estabelecida” no coração aprovado por Deus. Vemos a bênção do verdadeiro Aarão, ao considerarmos esses pensamentos maravilhosos, nada menos que isso está em Seu coração no que tange a nós.
“Assim, porão o meu nome sobre os filhos de Israel, e eu os abençoarei” (vs.27) – esse é o clímax de tudo, onde Deus é revelado, e pode ser conhecido pelo Seu povo. Isso se torna o testemunho deles.
“Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus, e daí jamais sairá; gravarei também sobre ele o nome do meu Deus, o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém que desce do céu, vinda da parte do meu Deus, e o meu novo nome” (Ap 3:12).