Notas Sobre o Livro de Números
“No dia em que Moisés acabou de levantar o tabernáculo, e o ungiu, e o consagrou e todos os seus utensílios, bem como o altar e todos os seus pertences, os príncipes de Israel, os cabeças da casa de seus pais, os que foram príncipes das tribos, que haviam presidido o censo, ofereceram e trouxeram a sua oferta perante o SENHOR…Disse o SENHOR a Moisés: Recebe-os deles, e serão destinados ao serviço da tenda da congregação; e os darás aos levitas, a cada um segundo o seu serviço.” (Números 7:1-3,4-5)
Leitura: Números 7:1-84
A primeira coisa que fica aparente nesse registro do capítulo 7 do livro de Números é que o povo do Senhor, como representado ali pelos seus príncipes de cada família, como podemos notar – é visto do ponto de vista real, sob a perspectiva da família dos príncipes. Essa é a concepção de Deus de Seu povo, e Ele deseja que eles percebam isso por eles mesmos. Eles são um parte da realeza, um sacerdócio real.
Realeza, o Caráter do Senhor Jesus
O que é realeza em sua verdadeira natureza, quando nos referimos a sua mais pura essência? Fundamentalmente, é algo que toma o caráter do Senhor Jesus. Estamos prontos para exaltar o Senhor Jesus, e aclama-lo, proclamando-O como Rei dos Reis e Senhor dos Senhores, colocando-O na posição mais elevada existente. Nos gloriamos no fato de que “Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome” (Fp 2:9). Acredito que isso pode ser dito de cada um de nós, de que essa é a nossa estimativa do Senhor Jesus. Se isso é verdade, se Ele é para nós um Príncipe assim como é um Salvador, então certamente nós, que levamos Seu nome e estamos em Sua família, sob a qual Ele é O Príncipe, devemos assumir nosso caráter a partir Dele. Esse é o propósito de Deus, a Sua vontade, e deve haver algo em nós da realeza do Senhor Jesus.
(a) Dignidade Espiritual
Podemos afirmar que existe uma grande diferente entre a realeza na esfera espiritual do na esfera temporal e na esfera natural. Existe uma enorme diferença existente entre o serviço ‘Real’ e o serviço Levítico – entre o que é temporal e o que é espiritual – porque estes fazem parte de esferas diferentes, sendo tipos de coisas diferentes. Quando chegamos ao Senhor Jesus e Sua realeza, isso não é algo apenas oficial, tomado por indicação, eclesiástico e formal. Vemos algo espiritual e moral – porque de fato é isso que a realeza é. Se tomarmos nosso caráter a partir do Senhor Jesus, não seremos maldosos, desprezíveis, insignificantes, ou pessoas “pequenas”, nada disso! Isso não é realeza. Não!Tomar o caráter de Cristo representa algo nobre, fino, grandioso, honorável, digno. Você espera isso de um príncipe, não é mesmo? Mesmo na esfera natural, você espera da realeza dignidade de conduta, comportamento, presença. Perdemos todo o respeito por um príncipe que é maldoso e desprezível.
(b) Estatura Espiritual
Realeza poderia ser, por assim dizer, um sinônimo de estatura também. Minha impressão sobre esses príncipes de Israel é que eles eram homens de estatura física, dignidade e presença – homens cuja presença impressionava. Ou seja, qualquer um poderia se espelhar neles – talvez literalmente, assim como de outras maneiras. Estatura na Bíblia é sempre espiritualmente e moralmente uma questão da medida de Cristo – ela é levada em conta apenas quando existe algo de Cristo.
(c) Riqueza Espiritual
Me parece uma anomalia que um príncipe seja pobre. Aqui vemos esses príncipes como homens com substância, com riquezas. Eles eram um povo que tinha competência, que tinha mais que suficiente, e que tinha coisas a dispor. Não apenas tinham suas próprias necessidades supridas e satisfeitas, mas tinham suficiente para dar.
Isso não é uma mera apresentação artística das coisas, ou um exagero das palavras. Isso é exatamente o que o Senhor busca que Seu povo – Seu Israel espiritual – possa ser. Ele deseja um povo grande – no sentido espiritual – um povo de estatura e dignidade. Podemos tão facilmente comprometer o testemunho do Senhor pela nossa falta de cuidado, comportamento, pela forma como falamos. “Debilitar o testemunho do Senhor” é outra forma de dizer – tirar da grandeza de Cristo, ao invés de demonstrar as Suas excelências.
Isso é uma questão muito ampla. Meu desejo é imprimir sobre cada um de nós a concepção Divina para Seu povo. Todas essas coisas devem ser verdades sobre ele, não apenas nas reuniões quando estão juntos, mas em casa, nos negócios, onde quer que estejam. Deve haver algo sobre eles que é fino, grandioso. Deve haver algo que leve as pessoas a admirar e falar delas de forma respeitosa, algo que honra ao Senhor. Deveríamos ser um povo de estatura e um povo de substância – não um povo que esteja sempre com um chapéu na mão tentando obter lago para sua subsistência. Não! Temos mais que suficiente! Nós verdadeiramente acreditamos nisso, e se realmente chegarmos àquilo que Deus deseja para nós, iremos ser um povo com muita substância. Sempre haverá uma margem, nunca chegaremos ao fim das coisas. Haverá muito! Muito! Doze cestos cheios o tempo todo! Esse é o propósito de Deus para o Seu povo, que eles sejam um povo espiritualmente rico! Isso deveria ser verdade tanto individualmente, como coletivamente. Isso é o que é representado aqui pelos pais das tribos de Israel.
Uma Grande Apreciação da Cruz
Mas o que foi particularmente trazido à luz aqui? O que nos chama a atenção nesses homens? O que deu a eles um lugar tão especial na Bíblia? O que foi que levou-os a ocupar todo esse longo capitulo de oitenta e nove versículos? Em uma palavra, o que foi que mostrou sua Realeza?
A resposta é muito simples, mas muito impressionante e penetrante. Foi a apreciação deles do altar, a estimativa deles do valor do altar. Em termos do Novo Testamento, diremos que foi a apreciação deles da Cruz. Se você pensar nisso, verá quão verdadeiro isso é. Não foi o Apóstolo Paulo um príncipe em Israel? Não era ele um homem de estatura, cheio de substância e dignidade? Por que? “Longe esteja de mim gloriar-me, senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo” (Gl 6:14). Foi pelo seu gloriar na Cruz, sua estimativa do seu valor, importância e sentido.
É a nossa apreciação da Cruz que revela nossa medida espiritual. Tal medida sempre vem pela linha da grande estima pela Cruz do Senhor Jesus. Este é o caminho do nosso alargamento, que dá espaço para mais. Este é o caminho da riqueza espiritual. Despreze a Cruz, trate-a com desprezo, pense pouco dela, e você se tornará uma pessoa pequena espiritualmente. Esses príncipes tiveram uma concepção tremenda do significado, valor, e importância do altar que estava sendo dedicado. Devemos pensar mais a respeito disso. Quanto mais penetramos no sentido da Cruz, e em nosso coração temos uma mais adequada estimativa dos sofrimentos do Filho de Deus, maior nossa vida espiritual será, e mais emergiremos dessa percepção como pessoa importantes. Mais riquezas Deus esbanjará sobre você.
Oh, grandes maravilhas da Cruz
Onde Cristo, Meu Salvador amou e morreu!
E que tremendo alargamento vem de apreender corretamente o sentido da Cruz!
Uma Espontânea, Voluntária, Expressão do Coração
Então vemos esses príncipes apresentando tal apreciação do altar, que isso demandou por carros para que tal apreço pudesse ser carregado. Um carro é um veículo grande. Isso não é uma coisa comum e pequena que você pode levar com as mãos. Eles não queriam apenas uma parte de uma carreta! Aqui temos veículos, e esses diversos carros expressam a grande apreciação do altar que eles tiveram.
Mas note duas outras coisas sobre os carros: todas essas coisas eram, tanto quanto sabemos, feitas sem nenhuma prescrição prévia, e, pelos registros, nos parece que Moisés nem sabia o que fazer com elas. Ele não tinha nada no “Livro Azul” dito sobre isso! Deus não tinha dito nada sobre esse tipo de coisa, e não haviam leis e regulamentos determinando que algo como aquilo deveria acontecer. O Senhor disse: “Tome, receba, leve para o ministério do santuário”.
Foi algo que não aconteceu por meio de uma demanda legal. Aquilo foi uma expressão voluntária, espontânea do coração, algo totalmente fora dos regulamentos. Isso reflete algo da realeza, isso é grandeza! Não fazer apenas o que é esperado e o que é demandado de nós, não – “Senhor, preciso fazer isso?” – mas, “Posso fazer isso? Existe algo que possa fazer – no livro ou fora dele?” Esse é o espírito. Esse foi o espírito que incitou essa oferta, que foi feita de forma tão real, grande, nobre.
Uma vida de realeza é aquela que não ‘faz o que faz’ porque ‘precisa fazer‘, ou dá porque é demandado pelas leis, mas é uma vida espontânea que “vai a segunda milha”. Ela não pára no tempo marcado, mas olha e vê quanto mais precisa ser realizado. Existem alguns jovens Cristãos que perguntam: ‘Será que preciso abrir mão disso, se vou me tornar um Cristão? Isso não é permitido? Não poderemos fazer isso, ou aquilo outro – fazer isso, ou ir ali? O que está errado nisso?’ Isso é tão negativo! A realeza, quando tirada do caráter do Senhor Jesus, nunca fala ou argumenta assim, ela diz: ‘O que mais posso fazer? Será que tem algo mais que possa fazer pelo meu Senhor, que fez tudo por mim?’ Não fique surpreso pelo fato do Senhor registrar cada detalhe desse tipo de coisa, porque essas pessoas se tornam a expressão do Seu propósito.
Isso é a realeza! – essa doação voluntária sem nenhuma consideração de ‘quanto’ ou ‘o que’ precisa ser feito. Podemos dar assim? Quão grande seremos quando formos o povo cujo louvor for tão exuberante, livre, espontâneo, que, por assim dizer, não saberemos o que fazer com tanto! Nossa adoração é tão pequena, tão pobre, ao invés de ser uma exuberância derramada do coração. .Possa o Senhor fazer de nós Sua realeza assim – grande de coração, magnânimos de espírito: não pelos nossos próprios interesses, mas porque chegamos a ver algo da grandeza daquilo que o Senhor fez por nós na Cruz. A Cruz, se compreendida de forma correta, é um poder libertador de toda a pequenez – de nossa pobreza, miséria, e do nosso desprezível ego.
Carros Cobertos
Aqueles carros também eram cobertos. Não sei realmente o que eles podem ter indicado do seu ponto de vista, mas acredito que posso ver algo do espírito por trás disso. A realeza, verdadeira realeza, não se exibe. Ela faz algo grandioso e não chama atenção para isso, nunca deixando que isso seja visto ou conhecido. Verdadeira realeza é esse tipo de mansidão e humildade que acompanha o extremo derramar para o Senhor, sem buscar admiração, ou nada em troca. Um carro descoberto com todo seu poder teria chamado atenção, e as pessoas teriam dito, ‘Olhem para o que este ou aquele príncipe está dando!’ É como no Festival da Colheita, quando as pessoas usam essa grande ocasião para trazer o maior repolho, o maior molho de uvas, para chamar atenção. ‘Quem trouxe isso?’ ‘Esta ou aquela pessoa!‘ A lição do carro coberto é: “Ignore a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita” (Mateus 6:3) – um verdadeiro espírito de mansidão, que foi, talvez, mais longe que os demais, mas cobrindo isso para que os outros não vejam.
O Senhor está buscando um grande povo, em todo sentido moral e espiritual. Talvez esse povo não seja grande aos olhos do mundo, mas apenas aos olhos Dele mesmo. Algumas vezes, a pessoa menor e mais insignificante, aos olhos naturais, pode ser de grande valor, preciosa e cheia de valores do Senhor. Não julgamos e estimamos nada naturalmente, mas sempre e apenas de acordo com a medida de Cristo. Podemos ser pessoas pequenas naturalmente – até mesmo em estatura, o que algumas vezes pode até produzir um complexo de inferioridade – podemos ter poucos dons, poucos recursos; mas sabemos que o Senhor Jesus atribuiu muito maior estatura à viúva que depositou duas minas no gazofilácio do que àqueles grandes senhores que estavam se exibindo diante de todos pelo que estavam doando [Mc 12:41-43]. A estatura à vista de Deus é diferente da estatura às vistas dos homens.
Não, podemos não ser muito se considerados naturalmente, mas podemos ser algo aos olhos do Senhor, se a Cruz se tornou algo grande na nossa vida e no nosso coração, e se seu sentido profundo, rico e pleno chegou à realizações práticas em nossa vida. Não tenho hesitações em falar dessas coisas, elas são verdadeiras. O alargamento da vida vem pela aplicação da Cruz, e pela sua apreensão. Quanto mais existir da Cruz, mais ampla a vida será. Pode parecer até uma redução algumas vezes, mas, não se engane, no final trará um aumento.
O Senhor faça de nós um povo da família real – nesse sentido, de forma que tenhamos visto tão grandemente, tocado, sentido as maravilhas da Sua Cruz, que então nossos corações sigam acima das regulações, para ser capazes de trazer ao Senhor tudo o que for possível por meio de vida e serviço, à plenitude de nossos corações por meio do serviço do santuário.
Tradução de extratos do texto “A Oferta dos Príncipes” (capítulo 7) do livro “The Spiritual Meaning of Service”, de T. Austin-Sparks.