Interlúdio em tempo de guerra é uma compilação de extratos do livro “Shaped by Vision, A Biography of T. Austin-Sparks”, de Rex G. Beck (pags.113-116).
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Rex G. Beck
“Para o conhecer, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte…” (Filipenses 3:10).
A obra do homem pode ser parada ou interrompida, mas a obra de Deus permanece. O Sr. T. Austin-Sparks escreveu no editorial de 1944: “nós nunca saímos da roda do oleiro como um vaso terminado, mas de alguma forma o Senhor combinou a moldagem com o uso”. Em meio à guerra, Deus nunca parou de usar o Sr. Sparks por meio da publicação ininterrupta da revista “Uma Testemunha e Um Testemunho” e do ministério em Honor Oak. Nesse período, Deus pareceu nunca ter parado de moldar o Sr. Sparks e o grupo de cristãos que se reunia em Honor Oak. Durante boa parte desse período, sua agenda estava livre de viagens e ele teve mais tempo para consideração e leitura, assim como para fazer perguntas e se questionar.
Ele escreveu que os anos se iniciando a partir de Novembro de 1940 até Novembro de 1944 “foram os mais agonizantes de sua vida, no qual o fundo do poço parece ter sido tocado por diversas vezes”. Encurralado, incerto a respeito do futuro, da continuidade do ministério, e até mesmo da duração da própria vida, o Sr. Sparks estava sendo trabalhado por Deus para se tornar um vaso ainda mais preparado para o uso do Mestre.
Em seu livro publicado em 1941, A Escola de Cristo, escreveu como uma fresca revelação de Cristo está sempre atrelada a situações práticas, arranjadas pelo Senhor para nós:
“Jamais poderemos obter uma revelação que não esteja atrelada à alguma necessidade… Temos que entrar nas situações do Novo Testamento, a fim de obter a revelação de Cristo para conhecer aquela situação. Assim, o caminho do Espírito Santo conosco é nos conduzir a situações e condições vivas, reais, necessidades, nas quais somente um conhecimento novo do Senhor Jesus será nossa libertação, nossa salvação, nossa vida. Então, a partir disso, Ele poderá nos dar, não uma revelação da verdade, mas a revelação e um novo conhecimento da Pessoa, para que possamos ver Cristo de alguma maneira que supra a nossa necessidade” (trecho do capítulo 3).
A guerra definitivamente trouxe o Sr. Sparks à muitas situações que demandaram novas revelações da Pessoa de Cristo para suprir suas necessidades. Suas limitações nas viagens e ministério revelaram um Cristo oculto que se tornaria alimento e luz para as próximas décadas de pregação. Tais experiências mudaram e aprofundaram seu ministério.
Comparar seu ministério antes e depois da guerra revela o crescimento e avanço do ministro. Sua mensagem não mudou. O propósito eterno de Deus ainda é o mesmo. Mas a guerra forjou uma maior habilidade no Sr. Sparks para claramente proferir palavras que descrevessem a entrada naquele propósito e que eram relacionadas à experiência da pessoa desejosa de aprender na escola de Cristo. Suas mensagens se tornaram mais do que uma mensagem grandiosa do plano de Deus em Cristo. Elas eram como se o ministro, que passou por crises e profundezas com Deus, estivesse falando diretamente de suas interações com Deus no processo que Ele o conduziu. As mensagens contidas no livro A Escola de Cristo são exemplos claros do seu chamado ao leitor para a esfera Celestial, e como ele mostrava o caminho de entrada. Essa linha de enunciação pode ser vista ao longo de suas mensagens subsequentes em diversos tópicos. Depois da guerra, diversos livros com temas similares surgiram.
Além do marcante aprofundamento e aumento na natureza experimental da mensagem do Sr. Sparks, a guerra trouxe outra mudança nele. Ele começou a “tomar a caneta e compartilhar” com seus leitores o que ele chamava de “exercícios do coração”. Isso porque a comunhão por meio de viagens e muitas outras formas de comunicação foram severamente limitadas naquele tempo, e atualizações da situação em Honor Oak e a respeito dele mesmo eram necessárias para manter a comunhão com seus muitos leitores. Isso foi um marcante abandono de sua prática dos anos 30, de não incluir notas de caráter pessoal na revista “Uma Testemunha e Um Testemunho“. O abandono dessa prática permaneceu até o fim de sua vida.
Depois da guerra, muitas edições de suas publicações contém Cartas do Editor com natureza cada vez mais pessoal. Antes da guerra, a última nota do Sr. Sparks apareceu em Janeiro de 1933. Ali, ele incluiu uma Carta do Editor descrevendo algumas de suas experiências pessoais ao ser conduzido pelo Senhor para fora de sua posição de pastor, e ao assumir um testemunho em Honor Oak.
Contudo, de Março de 1933 até Setembro de 1940, Sparks seguiu seu princípio de não incluir nada de referência pessoal nas revistas. Ele desejava simplesmente apresentar as mensagens e revelações de Cristo que ele e outros tinham visto, não deixando que relatos da obra e avanço do ministério se tornassem um banner, atraindo pessoas para se juntarem a um novo “movimento”.
Entretanto, a situação da guerra se tornou muito aguda. Em 10 de Julho de 1940, a batalha da Grã-Bretanha se iniciou. Em 23 de Agosto, os maciços bombardeios alemães derrubavam suas primeiras bombas no centro de Londres, e em 15 de Setembro, Londres, Southampton, Bristol, Cardiff, Liverpool e Manchester foram devastadas. Em alguns momentos, o centro de conferências em Honor Oak foi cercado na linha de fogo há poucos metros de distância. Sparks não tinha idéia de qual seria a última edição da revista “Uma Testemunha e Um Testemunho”. Ele nem mesmo sabia se aquelas que foram enviadas iriam alcançar seus leitores. Nessas condições, ele abandonou seus princípios anteriores e escreveu de seu próprio coração.
De suas cartas, temos insights de suas visões da guerra, seus pensamentos sobre o que Deus estava tentando descortinar em meio àquela maciça convulsão mundial e seus pensamentos a respeito de seu próprio ministério, num contexto de tanta perturbação e destruição generalizadas. No período próximo do final da guerra, ele se torna ainda mais pessoal em suas cartas e revela alguns de seus pensamentos, a partir de sua própria experiência, à luz dos eventos que estavam acontecendo. É muito esclarecedor passar por essas cartas, ano a ano, juntando suas observações ao principais eventos mundiais e às pessoas a quem ele ministrava naquele tempo.
O ministério de Austin-Sparks nunca foi baseado em simplesmente apresentar verdades apreendidas ou frutos de recentes estudos. Era uma questão de experiência pessoal. Falando a respeito de seu ministério, ele escreveu: “Ministério e experiência viva sempre foram mantidos em estrita, severa e profunda unidade”. O preço de todos os sofrimentos que ele suportou pelo seu ministério foi muito grande para meramente vender algumas verdades que obteve de estudos ou pesquisas. As verdades que ele ministrou eram seus próprios experimentos na graça e revelação divinas.