Notas sobre o Livro de Números
“E estas são as gerações de Arão e de Moisés, no dia em que o SENHOR falou com Moisés, no monte Sinai. E estes são os nomes dos filhos de Arão: o primogênito Nadabe; depois Abiú, Eleazar e Itamar.
Estes são os nomes dos filhos de Arão, dos sacerdotes ungidos, cujas mãos foram consagradas para administrar o sacerdócio. Mas Nadabe e Abiú morreram perante o Senhor, quando ofereceram fogo estranho perante o Senhor no deserto de Sinai, e não tiveram filhos; porém Eleazar e Itamar administraram o sacerdócio diante de Arão, seu pai. E falou o Senhor a Moisés, dizendo: Faze chegar a tribo de Levi, e põe-na diante de Arão, o sacerdote, para que o sirvam, e tenham cuidado da sua guarda, e da guarda de toda a congregação, diante da tenda da congregação, para administrar o ministério do tabernáculo. Darás, pois, os levitas a Arão e a seus filhos; dentre os filhos de Israel lhes são dados em dádiva” (Nm 3:1-9).
Ao considerar atentamente a “congregação no deserto” (At.7:38), descobrimos que é composta de três grupos distintos, a saber: guerreiros, obreiros (levitas) e adoradores (sacerdotes). Havia uma nação de guerreiros, uma tribo de obreiros e uma família de adoradores ou sacerdotes.
Os Levitas eram expressamente excluídos da contagem das tribos nos capítulos anteriores. Vemos que os sacerdotes são mencionados primeiro, porque os Levitas foram dados a eles, e deviam servi-los em cada detalhe sob sua autoridade. Os filhos de Arão estavam também sob autoridade, e sua função se baseava em serem considerados “as gerações de Arão e Moisés” (vs 1). De alguma maneira, os filhos de Arão deveriam ser filhos de Moisés. Eles apenas estariam na posição correta em relação a Arão no sacerdócio, se estivessem em correta relação com Moisés como o representante da autoridade divina.
Foi assim que os dois filhos mais velhos falharam e perderam tanto o sacerdócio como suas vidas. Eles morreram diante de Jeová porque apresentaram “fogo estranho perante o SENHOR, o que não lhes ordenara” (Lv 10:1). Assumir o sacerdócio sem a sujeição à Cristo como Senhor é desastroso.
Depois da morte de Nadabe e Abiú, o sacerdócio passou a ser exercido por Eleazar e Itamar na presença de Arão (vs 4). O sacerdócio sofreu um pesar público, mas existia um remanescente capacitado com espírito humilde e quebrantado para levar adiante o serviço sacerdotal na presença de Cristo.
Cabe lembrar que era que vivemos hoje [a da Igreja] é divina e espiritual, e apenas podemos servir se formos primeiramente espirituais, revestidos com profundo senso de humildade. O exercício do sacerdócio continua, não apenas da parte de Cristo, que é o verdadeiro Arão, mas da parte daqueles que, anti-tipicamente, são filhos de Arão. Sacerdócio representa a mais alta espiritualidade e o entendimento mais maduro das coisas santas de Deus, daquilo que é digno de Deus, e esses elementos devem conduzir todo o serviço da tribo de Levi.
Tomados como Primogênitos
Aprendemos nos versículos 11-13 que os Levitas foram tomados no lugar dos primogênitos de Israel. Eles, portanto, tipificam os santos compondo “a igreja dos primogênitos arrolados nos céus” (Hb 12:23), não tendo herança terrena, mas tendo uma posição e serviço celestiais. Podemos perceber que cada homem de um mês para cima deveria ser contado (vs 14-16). Quando a questão é o serviço militar, a contagem é a partir dos vinte anos para cima, mas quando os santos são contemplados como consagrados a Deus por meio do valor redentor do sangue de Cristo, eles são considerados pelo Senhor muito antes de poderem ser contados por si mesmos (veja que apenas Moisés e Arão contaram os levitas). Poderíamos usar a linguagem do Novo Testamento: “quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou pela sua graça” (Gl 1:15).
Podemos ver que esse serviço levítico é uma questão da soberania divina, e que somos chamados para ser Levitas logo no início de nossa história. Outro ponto importante, é que o Levita não era considerado maduro (apto) para servir, até que tivesse trinta anos, apesar de toda a sua vida já estar prospectada desde seu início.
A Escolha dos Levitas
Os Levitas estavam claramente assinalados entre as outras tribos, e eram chamados para ocupar um posto muito especial e um serviço particular.
“Mas os levitas, segundo a tribo de seus pais, não foram contados entre eles, porquanto o SENHOR falara a Moisés, dizendo: Somente não contarás a tribo de Levi, nem levantarás o censo deles entre os filhos de Israel; mas incumbe tu os levitas de cuidarem do tabernáculo do Testemunho, e de todos os seus utensílios, e de tudo o que lhe pertence; eles levarão o tabernáculo e todos os seus utensílios; eles ministrarão no tabernáculo e acampar-se-ão ao redor dele. Quando o tabernáculo partir, os levitas o desarmarão; e, quando assentar no arraial, os levitas o armarão; o estranho que se aproximar morrerá. Os filhos de Israel se acamparão, cada um no seu arraial e cada um junto ao seu estandarte, segundo as suas turmas. Mas os levitas se acamparão ao redor do tabernáculo do Testemunho, para que não haja ira sobre a congregação dos filhos de Israel; pelo que os levitas tomarão a si o cuidar do tabernáculo do Testemunho” (Nm 1:47-53).
Mas por que os Levitas? Por que essa tribo foi especialmente designada entre todas as outras e separada para um serviço tão santo e elevado? Havia neles alguma santidade ou algum bem particular que motivasse tal distinção? Não, decerto nem por natureza nem por sua conduta, como podemos ver pelas seguintes palavras:
“Simeão e Levi são irmãos; as suas espadas são instrumentos de violência. No seu conselho, não entre minha alma; com o seu agrupamento, minha glória não se ajunte; porque no seu furor mataram homens, e na sua vontade perversa jarretaram touros.
Maldito seja o seu furor, pois era forte, e a sua ira, pois era dura; dividi-los-ei em Jacó e os espalharei em Israel” (Gn 49:5-7).
Tal era Levi por natureza e pela prática: violento e cruel. Como é notável que tal homem fosse escolhido e elevado a um posto tão alto e de tão santo privilégio! Seguramente, podemos dizer que era graça do começo ao fim. É o desígnio da graça cuidar dos piores casos. Ela se debruça sobre as maiores profundidades e ajunta dali os seus mais brilhantes troféus.
“Fiel é a palavra e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores, dos quais eu sou o principal” (1 Tm 1:15).
“A mim, o menor de todos os santos, me foi dada esta graça de pregar aos gentios o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3:8).
Deus não podia entrar no secreto conselho de Levi, nem Se juntar com a sua congregação. Mas podia, contudo, introduzir Levi no Seu secreto conselho e juntá-lo à Sua assembleia. Podia tirá-lo da sua habitação, onde havia instrumentos de crueldade, e trazê-lo para o tabernáculo para estar ocupado com instrumentos sagrados e vasos que ali havia. Isto era GRAÇA, soberana graça; e nisto deve basear-se a todo o alto e abençoado serviço de Levi.
Oh! Que contraste maravilhoso entre a posição de Levi por natureza e a sua posição pela graça! Dos instrumentos de crueldade para os vasos do santuário! Entre Levi descrito em Gênesis 34 e o mesmo Levi descrito em Números 3 e 4!
O Fundamento da Escolha de Levi
Mas, consideremos a forma como Deus trata Levi, o fundamento sobre o qual ele foi levado a um lugar de bênção. Para isso será necessário fazer uma referência ao capítulo 8 de Números, e ali seremos levados a penetrar no segredo de todo o assunto. Veremos que nada que pertencia a Levi foi, e não podia ser, permitido no serviço a Deus. Nenhum dos seus caminhos foi aprovado e, todavia, a ele deu-se a mais perfeita manifestação da GRAÇA – a GRAÇA reinando por meio da JUSTIÇA. Falamos do símbolo e do seu significado, segundo a narração já referida: “Todas as coisas lhe aconteceram como figuras”.
“Disse mais o SENHOR a Moisés: Toma os levitas do meio dos filhos de Israel e purifica-os; assim lhes farás, para os purificar: asperge sobre eles a água da expiação; e sobre todo o seu corpo farão passar a navalha, lavarão as suas vestes e se purificarão” (Nm 8:5-7).
Aqui temos, em figura, o único princípio divino de purificação. É a aplicação da morte à natureza humana e todos os seus hábitos. É a Palavra de Deus aplicada ao coração e à consciência de forma viva.
Moisés devia aspergir a água da expiação sobre eles; e eles deveriam cortar todo o seu pêlo e lavar todo o seu vestuário. Vemos nisso grande beleza e precisão. Moisés, representando os direitos de Deus, purifica os Levitas em conformidade com tais direitos; e eles, estando purificados, são capazes de fazer passar a navalha sobre tudo o que era o crescimento da sua natureza humana e de lavar seu vestuário, o que representa, de forma simbólica, a purificação dos seus hábitos em conformidade com a Palavra de Deus.
Este era o modo de Deus satisfazer tudo que dizia respeito ao estado natural de Levi – a obstinação, a ferocidade e crueldade. A água pura e a navalha afiada entravam em ação – a lavagem e o corte do pêlo deviam continuar, até que Levi estivesse apto a ter acesso aos vasos do santuário.
Assim é em todos os casos. Não há – e não pode haver – tolerância para a natureza humana entre os obreiros de Deus. Nunca houve um erro maior do que tentar alistar a natureza humana para o serviço a Deus. Não importa qual o meio pelo qual se procure melhorá-la ou regulá-la. Não é o melhoramento que a tornará apta, mas sim, sua morte.
O homem tem sido pesado na balança e achado em falta. É de todo impossível reformá-lo. Nada resultará senão “a água” e “a navalha”. Deus encerrou a história do homem e pôs um fim nela na morte de Cristo. Não é uma questão de opinião ou sentimento, mas de que Deus pronunciou Sua sentença sobre todos, e o primeiro dever do homem é dobrar-se a essa sentença e aceitá-la.
A declaração divina para Levi era a mesma, quer Levi sentisse ou não. Tudo isso está expresso, em figura, na “água” e “na navalha” – no ato de lavar e de passar a navalha por todo o corpo. Nada poderia ser mais significativo ou expressivo. Esses atos mostram a verdade solene da sentença de morte sobre a natureza humana e a execução do juízo contra tudo que essa natureza produz.
Assim deve ser com todos os obreiros de Deus. Estamos absolutamente convencidos de que estamos aptos para a obra de Deus, à medida em que a natureza for posta sob o poder da cruz e da navalha afiada da própria reprovação. A vontade própria nunca pode ser útil no serviço de Deus; pelo contrário, tem de ser posta de lado, se queremos saber o que é o verdadeiro serviço. O coração é tão enganoso que podemos ser levados a imaginar que estamos fazendo a obra do Senhor, quando, na realidade, estamos apenas buscando o nosso próprio prazer.
Se quisermos trilhar o caminho do verdadeiro serviço, temos que procurar estar cada vez mais separados da nossa natureza Adâmica. O voluntarioso Levi tem que passar pelo processo simbólico da lavagem e do barbear, antes de poder estar ocupado nesse elevado serviço, que lhe é designado por uma nomeação direta do Deus de Israel.
Quem é do Senhor?
Voltemos a Êxodo 32. O povo havia feito o bezerro de ouro durante a ausência de Moisés no Monte Sinai.
“Vendo Moisés que o povo estava desenfreado, pois Arão o deixara à solta para vergonha no meio dos seus inimigos, pôs-se em pé à entrada do arraial e disse: Quem é do SENHOR venha até mim. Então, se ajuntaram a ele todos os filhos de Levi, aos quais disse: Assim diz o SENHOR, o Deus de Israel: Cada um cinja a espada sobre o lado, passai e tornai a passar pelo arraial de porta em porta, e mate cada um a seu irmão, cada um, a seu amigo, e cada um, a seu vizinho. E fizeram os filhos de Levi segundo a palavra de Moisés; e caíram do povo, naquele dia, uns três mil homens. Pois Moisés dissera: Consagrai-vos, hoje, ao SENHOR; cada um contra o seu filho e contra o seu irmão, para que ele vos conceda, hoje, bênção” (Ex 32:25-29).
Nesse momento de prova, a pergunta não era: “Quem quer trabalhar?”, mas, “Quem é do Senhor?”. Não se tratava de saber quem iria aqui ou ali, fazer isto ou aquilo. Estar do lado do Senhor envolve renúncia da vontade própria – sim, a própria rendição, e isto é essencial ao servo verdadeiro ou ao verdadeiro obreiro.
Se você estiver do lado do Senhor, estará pronto para qualquer coisa e para todas as coisas – pronto para estar quieto e pronto para ir avante; pronto para ir para a direita ou para a esquerda; pronto para ser ativo ou estar sossegado; pronto para manter-se de pé ou estar deitado. O ponto importante é este: o abandono de si próprio aos direitos de outro, e esse outro é Cristo, o Senhor. O homem gloria-se dos seus direitos, da liberdade da sua vontade e livre arbítrio. Essa é a negação do Senhorio de Cristo e, portanto, convém que nos mantenhamos de guarda e nos certifiquemos de que tomamos realmente partido com o Senhor contra nós mesmos; que tomamos a atitude de simples sujeição à Sua autoridade. Então, não estaremos ocupados com o volume ou caráter de nosso serviço; porque nosso único objetivo será fazer a vontade do Senhor.
“E fizeram os filhos de Levi segundo a palavra de Moisés; e caíram do povo, naquele dia, uns três mil homens” (Ex 32:28).
Este é o único e verdadeiro caminho para todos os que quiserem ser obreiros de Deus e servos de Cristo neste mundo onde predomina a vontade própria. É da maior importância ter a verdade do Senhorio de Cristo gravada no coração. Para um coração verdadeiramente obediente, a questão não é “o que faço?” ou “para onde vou” mas, sim, “faço a vontade do meu Senhor?”
Tal era o terreno ocupado por Levi (Ler Ml 2:4-6, Dt 33:8-11 e Lc 14:26).
O verdadeiro serviço não consiste em grande atividade, mas em profunda sujeição à vontade do nosso Senhor; e sempre que esta sujeição existe, haverá boa disposição de ânimo para suprimir os direitos de pais, irmãos e filhos, de forma a cumprir a vontade Daquele que reconhecemos como nosso Senhor. Não é ama-los menos, mas, sim, de amar mais a Cristo.
Depois dos atos cerimoniais de “lavar” e “barbear”, lemos: “quando, pois, fizerem chegar os levitas perante o SENHOR, os filhos de Israel porão as mãos sobre eles. Arão apresentará os levitas como oferta movida perante o SENHOR, da parte dos filhos de Israel; e serão para o serviço do SENHOR. Os levitas porão as mãos sobre a cabeça dos novilhos; e tu sacrificarás um para oferta pelo o pecado e o outro para holocausto ao SENHOR, para fazer expiação pelos levitas” (Nm 8:10-12).
Aqui se apresentam, em figura, os dois aspectos da morte de Cristo. Na expiação do pecado, vemos Cristo levando o pecado em Seu corpo sobre o madeiro e sofrendo a ira de Deus contra o pecado. No holocausto, vemos Cristo glorificando a Deus, até mesmo no próprio ato de fazer expiação pelo pecado. Ora, os Levitas punham as mãos sobre a expiação do pecado e o holocausto; e este ato de imposição de mãos representava simplesmente o fato de identificação. Quando Levi punha as suas mãos sobre a cabeça da expiação do pecado, isso envolvia a transferência de todos os seus pecados, de toda a sua culpa, de toda a sua violência, crueldade e obstinação para a vítima. E por outro lado, quando punha as suas mãos sobre a cabeça do holocausto, isso implicava a transferência de toda a aceitabilidade e de toda a perfeição do sacrifício para Levi.
“Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Co 5:21).